Reclamando da vida – parte 1 – Os objetivos da vida


Tenho ouvido muitas reclamações. A violência, a corrupção, as drogas e o custo de vida parecem figurar como preferências. Os problemas amorosos, de saúde e familiares também são fontes comuns de lamentações. Uns reclamam da falta de emprego. Outros, de seus empregos. Mas os motivos não ficam por aí. Os congestionamentos de trânsito, o descaso com a educação e a destruição do meio-ambiente também são razões para queixas. De forma geral, muitos reclamam. E bastante. Seja qual for a origem da queixa, praticamente todos se sentem injustiçados.

Todos julgam-se cientes dos seus problemas, mas a maioria desconhece as suas verdadeiras origens, não consegue posicioná-los em grau de importância e nem age na direção correta para solucioná-los. Além disso, é comum se desejar apenas sentir-se bem no lugar de resolver os problemas e caminhar para frente na vida. E, para terminar, muitos não se importam em criar mais problemas para si, para os outros e para o mundo, desde que julguem estar melhorando suas vidas.

Proponho olharmos para o hábito da reclamação a partir de três diferentes ângulos. No primeiro, vamos observá-lo a partir do nosso verdadeiro objetivo de vida. No segundo, a partir do nosso já observado e documentado gosto pelo sofrimento. E, no último, veremos como a maioria das pessoas que têm a opção de decidir sobre o rumo de suas vidas criam problemas para si próprias por não exercerem adequadamente esta opção.

Neste post trataremos apenas da visão a partir do primeiro mirante e, no próximo, a partir dos outros dois.

Reclamações relativas aos objetivos básicos da vida

Tenho fome. Tenho frio. Estou doente. Estas são reclamações válidas, mas o ser humano reclamaria exclusivamente desse tipo de coisas apenas se ele existisse só para satisfazer as suas necessidades fisiológicas. Mas, não é o que acontece. Por quê? Porque este é o nível evolutivo das plantas e dos animais inferiores. Concluímos, então, que o ser humano tem as características – e os motivos de reclamações – dos vegetais, mas não apenas isso.

Preciso ser popular e influente. Quero viver intensas paixões e namorar muito. Quero sentir fortes emoções. Preciso de um carro maior. Tenho que ir para a Europa, pois meus amigos já foram. Quero comprar aquela nova TV de alta definição e 52 polegadas. Tenho que ser o diretor comercial da empresa. Quero ser rico, famoso e admirado. As reclamações neste nível também são válidas. Entretanto, muitos dos desejos são supérfluos e facilmente escravizam. Além disso, carências deste tipo não levam à morte, como os problemas relacionados à quebra do ciclo fisiológico já presente nos vegetais e animais inferiores. Isso significa que podemos refrear nossos desejos.

Em relação às reclamações oriundas dos desejos e paixões cabe perguntar: o ser humano existe apenas para sentir prazer e felicidade? Apenas para cumprir suas funções sociais? Apenas para ascender, conquistar, dominar e sobressair-se em relação aos outros? Se este for o objetivo da vida humana, então todos os que possuem amigos e família não teriam do que reclamar. E nem os ricos, famosos, poderosos e fisicamente belos que passam suas vidas viajando pelo mundo, frequentando badalados eventos sociais e comprando tudo o que traz bem-estar, visibilidade social e diversão. Mas, novamente, não é o que acontece porque este é nível evolutivo dos animais que se organizam socialmente e que lutam pela sua hierarquia social. Não é necessária uma evolução superior a deles para se ter necessidade do outro, do poder e do prazer.

Sendo assim, não é difícil se perceber que o ser humano é algo mais do que uma criatura que deve satisfazer suas necessidades fisiológicas, sociais e de contentamento. Observe que, mesmo entre aqueles que têm toda a comida, as amizades, a notoriedade e a riqueza possíveis, encontramos muitos insatisfeitos, infelizes e que estão constantemente reclamando. Logo, torna-se necessário entendermos melhor do que realmente precisamos para não sermos infelizes e incompletos. Reclamar simplesmente, de forma inconsciente e sem promover as necessárias mudanças é, além de inútil e cansativo, indigno daquilo que já somos em termos de evolução.

Reclamações relativas aos objetivos maiores da vida humana

Estou insatisfeito com meu trabalho, pois não estou conseguindo me expressar verdadeiramente, nem criar, contribuir e me desenvolver tanto quanto posso. Até quando trabalharei e darei meu tempo e vida apenas pelo salário? Sinto-me só, não tenho amigos ou um amor com quem compartilhar meus sentimentos mais profundos. Sinto-me angustiado por me ocupar e correr tanto sem ver onde isso me levará. Qual o propósito de minha vida? Por que, apesar de bem sucedido financeira e socialmente, sinto-me vazio e infeliz? Tenho medo de morrer. Será que Deus me abandonou?

Além das reclamações já vistas da fome e da necessidade de ser presidente da empresa, como exemplo daquelas relacionadas aos reinos vegetal e animal, temos também nossas queixas em relação aos problemas específicos do reino humano. As necessidades humanas relacionam-se à consciência, ao desenvolvimento pessoal, à espiritualidade, à transcendência da vida atual , à criatividade e à filosofia. O ser humano é capaz de expressar-se, de ser criativo, de indagar e compreender.  Um humano tem consciência do seu Eu e de Deus, da sua individualidade e de seu papel social e no universo e, muito importante, precisa disso, quer queira ou não.

Considerando que o ser humano possui todos os níveis de evolução (e problemas) vistos até aqui, a saber, vegetal, animal e humano, cabe observar que o nível humano é o de maior complexidade e evolução e que é comum apenas ao ser humano. Logo, este é o nível prioritário para nós, humanos, trabalharmos e ao qual devemos concentrar nossos esforços. Sem dúvida precisamos de alimento, como os vegetais, e de prazer, como os animais. Mas, ao focarmos nisso, estaremos nos rebaixando a um nível evolutivo anterior ao nosso. Assim, aquela pessoa que passa grande parte de seu tempo reclamando deste tipo de coisas, está, de fato, perdendo tempo. Devemos nos dedicar prioritariamente às questões da vida relativas à evolução de nossa consciência. Já sabemos que há algo anterior a nós e, mesmo que muitos só inconscientemente, sabemos que há estágios evolutivos além do nosso. E fomos feitos para continuarmos na jornada evolutiva.

Do que você anda reclamando mesmo? Responda a esta pergunta em relação às seguintes necessidades.

Reino Mineral

Reino Vegetal

Reino Animal

Reino Humano

Existência física.

Vida, necessidades fisiológicas, reprodução.

Movimento, sociedade, desejo, prazer, poder.

Consciência do Eu, espiritualidade, criatividade, filosofia

Evolução e transcendência

Olhe a seu redor e você verá uma grande organização em tudo. E verá que coisas mais complexas são construídas a partir de coisas mais simples. A partir do nível  da vida humana podemos observar facilmente a existência dos seguintes grupos de coisas não vivas e vivas.

Reino Mineral -> Reino Vegetal -> Reino Animal -> Reino Humano

Cada um destes reinos tem suas próprias características que somam-se às do reino anterior. De um reino ao próximo há uma transcendência de suas limitações. Há uma evolução. Dentro de cada reino também há diversos graus de evolução. Assim, no reino humano temos pessoas em diferentes graus evolutivos. Por exemplo, pode-se ver que existem pessoas extremamente apegadas às coisas materiais, aos desejos e à necessidade de superioridade em relação aos demais, o que são características do reino animal. Outros buscam um maior desenvolvimento pessoal e espiritual e, ainda, auxiliam seus semelhantes a fazerem o mesmo, o que são características do reino humano.

No reino humano há consciência no nível em que a conhecemos, mas várias pessoas clarividentes e sensitivas em geral, assim como filósofos e cientistas, identificaram que a consciência já está presente em todos os reinos anteriores ao humano. A hiperfísica de Teilhard de Chardin descreve que a consciência, que ele chama de Dentro, está presente em tudo, incluindo todas as formas de seres vivos e não vivos e está, inclusive, além do humano, na noosfera, termo e conceito também usado por Ken Wilber. As descrições da psicologia de Jung, Maslow e de Grof, entre outras, também falam numa consciência que se estende além do indivíduo humano. O budismo fala nisso. O Bhagavad Gita. O Cristianismo. O Xamanismo. Experimentos na área do mundo subatômico comprovaram, há décadas, que a matéria não é feita de matéria, tal e qual a percebemos, e que nossa observação e pensamento influi diretamente no comportamento do universo real, ou na matéria-energia-tempo. Este fato foi comprovado pela física. Há décadas. Nós, que supomos que a ciência detém a verdade, a partir destas constatações precisamos admitir que a matéria, o tempo e as nossas mentes estão unidos.

A física tem mostrado o que antigos conhecimentos filosóficos, religiosos e esotéricos de várias culturas humanas já sabem há milênios. E o que muitos de nós sabem por experiência própria. Trata-se do conhecimento de que tudo está interligado e faz parte de uma unidade. E de que, do ponto de vista das partes que compõem o todo, cada uma forma a base para compor entidades mais complexas. O movimento das partes que se unem, completam e formam o substrato para existências mais complexas e superiores, é uma manifestação do movimento da onda quântica que, em nosso universo, vibra entre estados mais sutis e mais densos (como o material). Segundo Bentov (1), tal movimento gera significação e consciência. Do nosso lugar neste universo já vemos nossa consciência, ciente do Eu, cercada por consciências anteriores, dos animais, e posteriores, da noosfera. Muitos sensitivos percebem seres mais avançados consciencialmente do que nós. E, como tudo o mais, só podemos supor que o caminho continua na direção de algo que ainda foge a nossa capacidade de visão e compreensão. Então, em qualquer nível evolutivo, o universo parece ser regido por um processo de expansão. De expansão de consciências. Logo, existimos para crescer e aprender. Vivemos para ampliar nossa consciência e para transcendermos a nós mesmos.

Assim, concluímos que devemos nos concentrar nas características, problemas e ações necessárias relacionadas ao nível humano simplesmente porque este é nosso estágio. Um humano que vive prioritariamente para satisfazer suas necessidades fisiológicas está se equiparando a uma planta. Um humano que vive prioritariamente para satisfazer suas paixões, desejos e, com  isso, dedica-se a lutar por posses materiais e pela ascensão social, está se equiparando a um animal social. Qualquer um destes enfoques, se for tomado como prioritário, levará uma pessoa à inevitável insatisfação e a ter problemas existenciais, mesmo que ela esteja ainda num nível evolutivo baixo na escala dos humanos e que, para ela, não haja nenhum interesse consciente maior do que ser, por exemplo, o presidente de uma grande empresa para viver o poder que emana deste cargo. A nós cabe trabalharmos naquilo que nos faz humanos. Trabalharmos em nossa consciência, maturidade, caráter, expansão da visão, criatividade, expressão e, sobretudo, na luta pela transcendência do nível atual. Junto a cada um de nós existem outros como nós que devem ser amados e auxiliados na mesma tarefa de vida. Só isso. Simples assim. Façamos isso então! Não temos opção. Ou entendemos isso e vivemos com esse propósito ou seremos infelizes e não cumpriremos o papel reservado aos humanos.

Referências:

  1. Bentov, Itzhak; “À espreita do pêndulo cósmico: a mecânica da consciência”; Cultrix/Pensamento, 1998; p. 128

Sobre Luciano Pillar

Brasileiro de Porto Alegre, RS. Segundo um leitor: "Capaz de despertar as pessoas através das letras, mesclando temáticas improváveis e fazendo-as chegar a conclusões maravilhosas". Veja mais aqui.
Esse post foi publicado em comportamento, espiritualidade, evolução e marcado , , . Guardar link permanente.

5 respostas para Reclamando da vida – parte 1 – Os objetivos da vida

  1. Edvaldo de França Gonçalves disse:

    Caro Luciano, meus cumprimentos.
    Prezado, a explanação é bastante complexa, ao ponto da minha humilde conclusão, sem encontrar saída para definição do ser humano, já que temos um compromisso de evolução espiritual inicial, aliado ao livre arbítrio quando encarnados,vem o esquecimento devido a não vigilância, o ter, prevalecer sobre o ser, o ter, jamais será saciado daí as reclamações contínuas, e…, é vida que vai; é vida que vem, e conclusões buscadas, atropeladas não definidas. Tomando como base a água, que mata a nossa sede, nos higieniza corre chão a fora com todas as impurezas que lhe depositamos: Serenamente, sem conflitar com nenhum dos obstáculos encontrado no seu percurso, ignora, e a cada ponto da sua existência se torna mais e mais purificada. Será que teremos esta capacidade ?
    Meus respeitos.

    • Caro amigo Edvaldo,

      Nossa existência deve ser semelhante ao seu exemplo da água. A cada vida física e não física que temos, como humanos ou outros formatos, nos comportamos como a água que absorve sabedoria a partir de situações pertinentes a vida presente, mas, tais situações e fatos de cada vida são descartados e esquecidos ao final de cada uma destas existências. Por exemplo, quando meu coração parar de bater, acabou o Luciano e suas relações aqui, mas meu aprendizado que me torna mais meduro e evoluído, ficam em mim como qualidades próprias. Com eles, deverei renascer numa nova existência. Isso, é claro, se é assim que as coisas funcionam. Parece que sim, por tudo o que já li e percebi por mim mesmo. Mas… Como você disse :”a cada ponto da sua existência se torna mais e mais purificada”.

      Acho devemos tentar fazer o mesmo que a água dentro de cada existência também. Pode não ser fácil, mas quem disse que seria?

      Um abraço.

  2. Fernando disse:

    BRILHANTE!

    Há dias que eu vinha visitando sistematicamente este endereço, e, ávido por novidades, me “decepcionava” (credo!) com os mesmos textos de sempre…

    Mas, agora percebi o motivo da demora em “atualizar”! …Um artigo simplesmente fascinante, pela síntese de vários “dramas” humanos contemporâneos, coerentemente explicados de maneira clara, transparente, e, pelo menos a mim, perfeitamente verossímil.

    Muito bom, meu camarada! …Continue assim! (…sempre evoluindo, é claro!)

    • Obrigado Fernando!

      Peço desculpas pela demora a postar neste mês. Trabalho, vida, a preparação de outro blog complementar a este e o desenvolvimento do que será a extensão final de TRINK me consumiram totalmente. E este texto me consumiu tempo também, pois acabei reescrevendo-o algumas vezes.

      Tenho procurado exprimir aqui uma visão mais profunda sobre a nossa natureza e de tudo o mais baseado no que percebo, em idéias de amigos e em leituras que tenho feito. Em breve organizarei aqui a relação de livros que li, que me recomendaram e de idéias gerais sobre tudo.

      Minha motivação é tentar clarear a visão de todos para o que são as coisas e não quais as consequências das coisas. Penso que as pessoas fixam-se demasiadamente nos sintomas e não nas causas de tudo o que acontece.

      Grande abraço!

  3. Pingback: Reclamando da vida – parte 2 – Aversão e prazer do sofrimento | TRINK

Deixe um comentário