Casa ou ninho?


Pequenas diferenças na forma como cada um vê as coisas podem trazer grandes diferenças em suas vidas. A casa em que vive, por exemplo, de quem é? Ou ainda é apenas um ninho? Ou nem isso? O conceito de casa pode ser estendido para tudo, como o lugar de trabalho, o condomínio, a cidade ou país e, ainda, a Terra e o universo. Pode ser apenas o quarto onde se habita. Ou as ruas da cidade. Ou o próprio corpo. Toda pessoa deve se perguntar sobre o que é dela e o que é empréstimo ou apropriação indevida.

Muitos animais são recebidos na vida pelas mães, as vezes também pelos pais, e inicialmente acolhidos num ninho. Ali podem crescer até terem as condições mínimas para sobreviverem no mundo externo por si só. O ser humano é esse tipo de criatura. Nasce num ninho que, de início, é a mãe. E pode ficar só nisso, mas, geralmente o ninho é um lugar construído por seus progenitores. É comum que seja a casa deles.

Utilizando o princípio da correspondência hermético que diz “Assim acima como abaixo; assim abaixo como acima“, podemos estender essa associação do filhote com o ninho para cima, como a cidade e o planeta, ou abaixo, como o seu quarto ou seu corpo. A criança vive no seu ninho que é a casa dos pais. Com o tempo, ela pode ter um quarto cedido pelos pais dentro dessa casa. Esse quarto agora é um compartimento do ninho onde ela poderá exercer alguma decisões suas e aprender a cuidar dele e assumir as responsabilidades relacionadas a estas decisões e ações. Nesse ninho próprio aprenderá que toda decisão e ação tem consequências. Com o tempo, se a criança conseguir realmente se apropriar e cuidar do local, o que acontecerá provavelmente na pré-adolescência, esse seu quarto, ainda ninho, poderá ir se tornando uma casa para ela. Não é casa ainda, mas é um tipo de estágio onde parece ser casa.

O tempo sempre passa e o adolescente tornar-se-á um jovem e, em condições normais de desenvolvimento pessoal, sentirá uma necessidade interna de se apropriar mais e mais de sua própria vida, o que gerará, entre outras, a necessidade de ter sua própria casa. Com ou sem a ajuda dos pais ele caminhará para isso. Tudo inicia numa vontade interior que passa a ser uma necessidade que se torna uma decisão e que gera movimento. Este, na nossa cultura, requer a obtenção de dinheiro. Com seu próprio esforço ele avança nessa direção e, um dia, muda-se para sua casa. Aí sim, é sua casa e não mais apenas um ninho. Ele chegou até a casa, ele a arrumou, ele passará a mantê-la. Isso torna esse espaço sua casa. Um ninho não serve para quem cresce como pessoa, pois ele é a casa dos pais e próprio para crianças. Essa é uma visão que creio ser bem real. Essa também é a experiência pessoal deste que vos escreve essas linhas.

Olhando para coisas maiores, como a cidade, o país e o mundo todo, um indivíduo pode vê-las sempre como ninhos enquanto não se apropriar de sua responsabilidade para com esses ambientes e não se colocar como ativo na sua manutenção e sua criação a partir de sua visão sob as regras vigentes. Em certas situações, até as regras podem ser aprimoradas a partir de sua visão e ação. A Terra, sob um olhar, é e sempre será um ninho, pois ela nos foi dada e dela só sairemos fisicamente quando e se desenvolvermos tecnologia para isso, mas, mesmo assim, ainda estaremos sempre dentro do ninho universo. Como não temos como fazer um planeta, estaremos sempre dentro desse ninho. Mas, assim como o adolescente vai transformando seu quarto em sua casa até crescer mais, todo indivíduo pode ir tornando o ninho Terra em sua casa pela mesma conscientização, apropriação, responsabilidade e cuidado criativo.

Olhando para as coisas menores todos temos um corpo que, assim como a Terra, nos foi dado. Através dele teremos uma vida aqui, tal e qual a conhecemos. Nesse sentido, esse corpo é um ninho também e, da mesma forma, cada um pode transformá-lo em sua casa pela tomada de consciência do seu lugar e papel no corpo através de sua apropriação pelo respeito, responsabilidade e cuidado.

Problemas surgem – e se tornam patologias perigosas – quando a criança só cresce fisicamente, pois, se for saudável, esse é um processo automático que lhe foi dado de presente pelo corpo. Assim existem situações, que desafortunadamente não são raras, de pessoas com mais de quarenta anos de idade ainda vivendo dentro dos ninhos que são as casas de seus pais. Algumas sequer transformaram seus quartos em suas casas. Seus corpos cresceram automaticamente e elas tiveram dificuldades na transição para a vida adulta. O pior é que esta deficiência pessoal não as impede de se colocarem profissionalmente, empresarialmente ou politicamente no mundo e nem de conseguirem ocupar alguns cargos onde tomarão decisões que afetarão as vidas de muitos. Assim, o que esperar do mundo em que vivemos onde boa parte do comando está nas mãos de crianças medrosas que não conseguiram sequer sair de seus ninhos?

É necessário se honrar os ninhos, o que inicia com gratidão sincera. É necessário reverenciá-los. É necessário se sair deles e se construir as próprias casas. Feito isso, é necessário se criar ninhos para os outros e ajudá-los a os abandonarem também.

Quem quer um mundo melhor que saia do ninho. Isso começa em si mesmo. E isso é apenas o início.

Sobre Luciano Pillar

Brasileiro de Porto Alegre, RS. Segundo um leitor: "Capaz de despertar as pessoas através das letras, mesclando temáticas improváveis e fazendo-as chegar a conclusões maravilhosas". Veja mais aqui.
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